quinta-feira

quarta-feira

uma caixa guardada no bolso de trás. depois da curva sei que chegámos, o semáforo
- um dia quando chegares à minha idade vais perceber.
a casa onde estou, onde estive faz agora tantos anos, eu ainda estou lá, eu tenho sete, oito anos no máximo. a casa onde estou, a cozinha junto à mesa onde almoçávamos todos, ao domingo. os pratos são pétalas brancas nas mãos da minha avó, o cheiro das árvores no inverno, as cadeiras onde nos sentávamos todos. anda que a mesa está posta,
- o senhor padre deve estar mesmo a chegar.
depois da curva sei que chegámos, o semáforo. o cabelo da minha mãe tão escuro,
- és tão parecido com o teu pai.
os sinos a tocar. o quarto onde dormia, as escadas de carpete dourada, esta é uma ocasião especial, faz agora tantos anos, eu ainda estou lá, eu tenho sete, oito anos no máximo. o padre diz o meu nome, é tão estranho ouvirmos o nosso nome, o meu pai segura a luz, não sou nada parecido com o meu pai, eu tenho sete, oito anos no máximo. a minha mãe segura-me ao colo, o meu pai sou eu, o que queres dizer quando chegares à minha idade? o terraço cá fora, as escadas de cimento e o cheiro das árvores no inverno. o portão vermelho, o sítio onde deixávamos o carro. depois da curva sei que chegámos, o semáforo
- o teu irmão já tem quase trinta anos, vê lá tu.
o cheiro das amêndoas, onde estávamos todos, faz agora tantos anos que tudo perdi. guardo a caixa no bolso de trás, um dia vou perceber, o meu pai e a mãe, uma fotografia parada no tempo, um dia vou perceber, ao colo da minha mãe sou eu, este sou eu, um dia vou perceber. o meu pai sou eu, um dia vou perceber. anda que a mesa está posta, o punho esmagado contra o peito, depois da curva sei que chegámos, o semáforo, depois da curva os meus avós, os meus tios, os meus primos, eu tenho sete, oito anos no máximo, depois da curva os meus pais, o meu irmão,

depois da curva
eu te recordo, a guiar.

domingo

o amor entre lisboa e porto

neste amor entre lisboa e porto
há no som cinzento, no som azul
um beijo intenso, um beijo frágil.

neste amor entre lisboa e porto
há a saudade, as ruas e a ponte
no som cinzento, no som azul.

neste amor entre lisboa e porto
há o cheiro escuro, o cheiro doce
no som cinzento, no som azul.

neste amor entre lisboa e porto
há um beijo solto, um beijo frágil
há no céu cinzento, no céu azul
o douro e o tejo

o amor na ponta dos dedos.