sexta-feira

quinta-feira


Não consegui pregar olho esta noite, tenho o corpo cheio de bagas vermelhas. Coço-me com a ponta dos dedos, ao de leve, para não provocar feridas. Se meto a unha (e é uma tentação), estou feito.

Seriam três da manhã quando saí para a rua - a cabeça latejava por dentro, já não podia mais. Ainda os sentia a passear em cima de mim, a esfregar as patinhas de satisfação. Esforçava-me por não fazer bulir um pentelho e de repente, Zás, acendia a luz, sacodia os lençóis e punha-me a vasculhar a cama toda que nem doido. Nem um, nem um finalmente esborrachado entre as minhas unhas que esguichasse sangue por todos os lados. Só se aventuram às escuras os cobardes e mesmo assim devem vir camuflados, cobertos pelos pós das frinchas e dos recantos afiados do quarto. Largar um fósforo a isto tudo, atear fogo à palha podre do colchão e dançar de alegria no meio das labaredas enquanto os ouço (crack, crack) a estalar como castanhas ao lume.

A humidade vinda do rio encharcava-me os ossos, deixei de ouvir as badaladas da Sé. Acabou-se me o tabaco, o que ainda assim foi o pior de tudo. A comichão já não me incomodava muito, a não ser nas costas das maõs. O ardor nos tomates só começou mais tarde - pela manhã, se não estou em erro. Rabiei durante não sei quanto tempo, não se via vivalma, nem um ladrão de carros para dar dois dedos e cravar um cigarro. Por fim lá topei uma padaria aberta. As carcaças caíram-me na fraqueza - o costume.

Tenho um pacote de manteiga escondido no meu quarto. Aposto que a puta da velha não o encontra nem que vire tudo do avesso. Já não caio noutra: "Senhor João, o quarto não tem serventias". A velha descobriu um cacho de bananas podres por cima do guarda-fatos e foi um pandemónio. Não volto a comprar bananas da Colômbia, compram-se ainda verdes e dois dias depois estão completamente podres.
em recordações da casa amarela, joão césar monteiro

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